quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ALUNO: INDIVÍDUO RESIGNIFICADO

Norma de Souza Lopes
nosolo@ig.com.br
Na luta cotidiana de educar nos deparamos com um aluno diferente daquele que desejamos encontrar. O sujeito que esperamos de nosso aluno não é nosso aluno, é uma representação pessoal que cada um de nós traz dentro de si acerca do aluno ideal. E quando idealizamos, negamos sua identidade e isso solapa todas a suas possibilidade de êxito. Fica impossível para ele superar o caos instalado pela negação existencial.
Se o educador idealiza o aluno, nega-o como sujeito-aluno, como ser sapiente. Retira dele a validade de seu saber. Ele então tenderá a negar o papel e autoridade do professor devolvendo a invalidação. Aquele que costuma ver negada diariamente sua existência em seu ambiente familiar passa a viver uma negação da mesma magnitude no ambiente escolar. Porém desprendida dos poderes patriarcais, tende a sublevar agressividade, inaudição e revolta, uma vez que os limites não são tão rígidos como em casa.
Podemos observar então que o resultado, invariavelmente, é a indisciplina. A conversa excessiva e a indisciplina nos dizem sempre: “Se você não me reconhece como aluno eu não te reconheço como professor”. “O que você tem a dizer não me interessa porque me é inalcançável.” “Não me interessa por que não significa nada no meu mundo real”.
Para esse aluno a indisciplina é benéfica porque alivia a angústia de não compreender o discurso escolar, angústia de não se parecer com o aluno idealizado. Infelizmente para ele a escola não é um lugar de vida, é apenas um lugar de ensino (do latim insignare: ato de lançar dentro de uma sina, de uma sorte alheia a sua vontade). A brincadeira, as conversas paralelas e as piadas são uma tentativa de transformar a escola num lugar onde ele pode se furtar do mundo que detesta: o mundo institucionalizado (família, igreja, sistema legal etc.).
Ele procura um rompimento com esse mundo, tenta relacionamentos de sucesso entre seus pares, tenta ser o herói ou anti-herói querido. Recusa-se a ser escolarizado para não permanecer prisioneiro de uma sistema de ensino em que não se aprende nada de útil para a vida.
O que o professor, como adulto centrado, deve fazer é validar o aluno real que encontra na escola. Não há nada mais educativo que legitimar o aluno e o que ele sabe. O professor deve reconhece-lo e acolhe-lo se dispondo a estabelecer com ele um relacionamento confiável.
A relação mestre-discípulo instaurada quando o professor se dispõe a relacionar não tem preço. O que se encontra compartilhando vai além da disciplina intelectual ou na escola: é a amizade que o jovem , por vezes, descobre pela primeira vez em sua vida. O mestre-amigo legitima a existência de seu aluno, aceita-o como sujeito sapiente. O professor que se abre para esse modelo de relacionamento não costuma ter problema com indisciplina.
Não se deve esquecer no entanto que os efeitos desse relacionamento só são benéficos, na medida em que o professor conhece o seu papel e tem uma vida pessoal bem sucedida. Um professor confuso, com pouca inteligência emocional pode provocar estragos irreparáveis ao se aproximar demais de seus alunos. Vale aqui, como em todo lugar, a medida do equilíbrio.
Para realizar aproximações eficientes o professor deve ter claro a importância dessas aproximações, compreendendo sua limitações e possibilidades. Mas acima de tudo ele deve desejar fugir do modelo ilusório de aluno que o faz perceber o OUTRO de maneira deformada, ou seja, arranca do aluno aquilo que o torna particular e diferente. Arranca dele sua competência de INDIVÍDUO.
Quem reputa-se educador deve caminhar no sentido de ressignificar suas representações acerca do que o aluno é. Deve imergir prazerosamente nas diferenças reais de seus alunos, fugindo de toda ilusão. Ilusão só traz sofrimento.

E POR FALAR EM EDUCAÇÃO

Norma de Souza Lopes
nosolo@ig.com.br
Buscar um texto motivador, que reflita o que nós, educadores de escola pública, estamos vivendo estava muito difícil, então resolvi eu mesma escrevê-lo. A tarefa se mostrou complicada, mas acabou por ampliar minhas idéias sobre qual o resultado que esperado desse artigo.
O que escrever: algo para motivar? Algo para resolver o problema da indisciplina? Ou algo para ajudar a administrar conflitos?
Tudo isso e muito mais!
Comecei a pensar em nossos alunos, jovens que aparentemente não querem aprender.
Um contra-senso!
É característica primeira dos jovens querer acertar, ser autênticos e verdadeiros. Eles também não têm medo do novo ou de mudanças. Isso faz deles sujeitos inteiramente prontos para saber, conhecer, entrar em contato com essa ciência que, ainda que fragmentada, ensaiamos em nosso currículo.
Por isso, aos nossos jovens, teremos que convencer sobre a importância da ciência, convencer sobre sua agradabilidade. Teremos que seduzi-los como fomos seduzidos ao escolher mergulhar em nossas áreas de conhecimento. Teremos de buscar em nossa memória os elementos que nos seduziram, aquilo que nos fez amar o conhecimento. Teremos então que leva-los a provar esse sabor-saber.
Já me disse alguém: o conhecimento não é alcançado por todos. E os nossos – alguns já chegam perdidos – também não serão todos a alcançá-lo. Mas nem por isso podemos desistir, pois educador se realiza educando.
E educar precisa ser um projeto de sucesso (rezam os bons manuais que para construir um projeto de sucesso é necessário construí uma história pessoal, crer e vivê-la cotidianamente).
Projeto de ensino com sucesso também deve ser um projeto coletivo, de equipe. A equipe deve que construir sua história, crer e vive-la cotidianamente. Para essa construção cada educador pode oferecer suas experiências pessoais e relatá-las de forma a evidenciar como cada escolha transformou suas ações e o fez crescer.
É assim que eu tenho feito. Decidi a muito que minha missão seria me interessar genuinamente pelas pessoas, ser alguém bom e honesto, estabelecer uma relação de ajuda com todos que isso esperassem de mim. Não que não tenha pensamento e ações contraditórias (quem não os têm?). Como todos erro tentando acertar. Enfraqueço. Esmoreço. Mas me levanto.
Mas quando quero ajudar alguém e percebo que ele precisa mudar, saio do meu lugar, me dirijo ao lugar do OUTRO, direciono minha atenção para ele. Ouço... Pergunto o que ele deseja..... Conheço.
O efeito é mágico: tenho ajudado pessoas e o melhor, tenho mudado para melhor todos os dias. Integro esses “outros” melhores ao meu ser.
Minha história passa a ser uma história coletiva.
O que isso tem a ver com ensinar?
Só podemos ensinar quando lembramos como aprender. Só sabe os o significado quando aprendemos a ver, ouvir, tocar, cheirar. Ë o sensível que nos ajuda a significar. Conhecer o outro é tomar ciência. É fazer ciência.
Portanto o apelo hoje é para fazermos ciência: ciência das letras, ciência das artes, ciência da lógica, ciência da matéria, ciência dos espaços, ciências dos organismos, ciência da história humana e ciência das histórias pessoais de nossos jovens alunos. Uma ciência doce e saborosa.
Como pedir algo tão altruísta a profissionais massacrados como nós, educadores?
Adam Smith disse que o melhor resultado é obtido quando todos do grupo fazem o que é melhor para si. John Nash, o matemático, melhorou e disse que o melhor resultado é obtido quando todos fazem o que é melhor para si e para o grupo.
Não podemos melhorar de imediato o nosso salário e nossas condições de trabalho - ainda que possamos lutar juntos por eles- mas podemos melhorar nosso salário emocional, pois ele só depende da PEDAGOGIA DA GENTILEZA.
Trata-se de uma idéia que me ocorreu de que podemos nos aproximar, distribuir afetos, gentilezas. Essa idéia me diz que mesmo que não tenhamos sucesso com o ensino das ciências ditas universais, poderemos humanizar e ganhar forças para lutarmos por valorização de nossa função: EDUCADORES HUMANIZADORES.

Flores não rompem grades

Norma de Souza Lopes
nosolo@ig.com.br

Antes da existência da escola o individuo aprendia apenas aquilo que fosse importante para seu oficio. Era o caso de monges que aprendiam a ler para copiar manuscritos religiosos, ou de comerciantes fenícios que registravam e liam apontamentos de vendas ou até mesmo de alquimistas que registravam suas observações químicas. Nesse contexto a ciência servia ao indivíduos para fins e interesses particulares e específicos.
O advento do pensamento filosófico implantou formas mais amplas de observar o mundo natural, questionando e buscando respostas possíveis também sem uma separação engessada de áreas de conhecimento. Surge então o modelo escolástico de ensinar.
Neste modelo o professor era aquele que possuía uma visão geral das coisas e sua formação era construída de forma ampla e autodidata. Pauster por exemplo era professor de química mas, para responder a demanda do pai de um dos seus alunos, investigou a produção de álcool em tanques de beterraba e acabou por fazer uma das descobertas mais importantes no campo da biologia. Nesse contexto o professor era um investigador multiforme que acabava por conhecer de tudo um pouco. Porém esse era um professor de elite, que chegava em uma casa ou vila e ensinava apenas às crianças daquela lugar. E vivia disso. Por isso essa era uma educação cara para as famílias.
Com a revolução industrial surge a necessidade de ensinar às grandes massas rudimentos da leitura e escrita e alguns cálculos matemáticos. O ensino passa então a requerer um novo perfil de educação, mais barata, que atingisse um número maior de aprendizes ao mesmo tempo. Um novo perfil de educação que implicou em novo perfil de professor.
No novo modelo fez-se necessário engradar o conhecimento. Esse engradamento em forma de currículos escolares, semelhante ao que conhecemos hoje, foi criado tendo como base a suposição de que, como nem todas as ciências poderiam ser ensinadas, o conhecimento ensinado no ambiente escolar deveria ser apenas o necessário para resolver problemas cotidianos de uma determinada época e cultura. O novo perfil de professor deveria ser o de alguém que fosse capaz de reproduzir esse conhecimento em moldes fabris, ensinando a um grande grupo de aprendizes ao mesmo tempo.
Pronto! Estava inventado a escola e o professor como conhecemos hoje.
Como já foi afirmado a ciência em si mesma sempre buscou todo aporte possível para resolver os problemas reais que os indivíduos experimentam no mundo natural. No entanto a seleção acadêmica dos conteúdos e a prática educativa coletiva pretendeu colocar em grades esse conhecimento. Grades chamadas currículos, disciplinas, matérias, conteúdos, de forma a “simplificar” para que os alunos pudessem entender e para que esse conhecimento pudesse ser veiculado no ambiente escolar. Essa simplificação implicou em fragmentar, diminuir, aprisionar todo o rico conhecimento produzido universalmente em campos de conhecimento e em momentos históricos passados. Para isso a formação do professor foi ficando cada vez mais afunilada e os saberes escolares cada vez mais primários.
Ora, ainda que se possa dizer que o professor constrói individualmente seu rol de conhecimentos úteis para o ensino aprendizagem, devemos afirmar que a formação específica do professor, em um conteúdo único é profundamente limitante. Isso se dá porque, durante a aprendizagem do oficio de professor, o docente constrói sua auto imagem colada a área de conhecimento. Essa construção acaba por reduzir sua função social, ou seja, um professor de matemática dificilmente irá pesquisar e ensinar acerca de microorganismos, mesmo que seus alunos se queixem continuamente de diarréias e afirmam morar em áreas sem saneamento. Não que o professor seja o responsável por todos os problemas dos alunos, mas ele é o cientista mais próximo, aquele que pode fornecer subsídios para solucionar problemas desse gênero.
Daí a importância de abandonar a postura “não mexam no meu conteúdo”. Abandonar essa postura implica e conviver com o medo constante de perder sua identidade de professor desta ou daquela área de conhecimento. É preciso que o professor compreenda que existe vantagens em ser interdisciplinar.
Ser interdisciplinar não é algo que se aprende em um dia, é algo que deve atingir a essência e ficar arraigado no professor. Ele precisa ser inteiramente convencido que esta é a forma mais vantajosa de lidar com o conhecimento. Nessa medida o trabalho com projetos é a maneira mais rápida de se construir um modo de ser interdisciplinar. Um projeto surge para resolver um problema real que o individuo ou um grupo de indivíduos vivenciam. Nessa medida o alvo seria a resolução do problema e não o ensino dos conteúdos em si mesmos. Para solucionar, por exemplo, um problema de adolescentes grávidas sem planejamento em uma escola, seria necessário recorrer a conhecimentos biológicos, psicológicos, estatísticos, históricos, químicos, éticos, médicos etc. O projeto implicaria em planejar o ensino de forma que todo conhecimento e toda a informação existente acerca do assunto venha a contribuir para que as adolescentes passem a refletir sobre suas relações e a planejar quando estarão maduras para engravidar.
Diante desse tipo de problema o professor interdisciplinar tem claro que o mais importante no ensino é levar ao aluno todos conhecimento universalmente produzidos, se utilizando deles para superar problemas cotidianos. O professor de área pode até produzir bons resultados com um ensino disciplinar, porém ele trabalha de forma menos articulada com os problemas de seus alunos, uma vez que atira no escuro, não pergunta, não questiona e não produz respostas específicas as situações cotidianas de seus alunos.
A vivencia da solução de um problema através de um trabalho interdisciplinar é o que produzirá no professor a mudança estrutural. Com a observação dos resultados de um projeto bem sucedido o professor se sente mais seguro para mudar sua metodologia de disciplinar para interdisciplinar. Esse vivência cria a possibilidade de romper com as grades do currículo e das disciplinas.
A educação brasileira tem no entanto o hábito de se apropriar de forma manca de novas propostas pedagógicas e a versão de projetos de trabalhos que temos encontrado nas escolas é um arremedo simplificado que implica em apresentações paisagísticas e isoladas. Não que nossos profissionais sejam incompetentes, são até muito competentes por sinal. O problema e que diante do medo do novo eles acabam associando à proposta aquilo que já conhecem, o trabalho disciplinar. Os projetos acabam não tendo nenhuma relação com a proposta político pedagógica e escola e nem com os problemas dos alunos. É um tal de projeto animais, projeto folclore, projeto água, sem nenhuma articulação com a missão e com a filosofia da escola. Acaba-se fazendo o que se fazia antes o ano inteiro, só que agora através de projetos. Basta pedir ao aluno para escrever em uma cartolina e prender no pátio. E para ficar mais bonito coloca-se papel crepom em volta.
Cadê a resolução de problema, cadê o sonho e a solução de uma necessidade. Trabalhar projeto assim é apenas enfeitar de flores as grades do currículo.
Esse artigo foi escrito com o objetivo de convidar os professores a arriscar, mexer em seus conteúdos, lançar um olhar no futuro para perceber que tudo mudou, apenas a escola não mudou. O jovem já aprende de forma diferente. Para observar isso basta ver um adolescente ouvindo música, lendo uma revista, navegando na internet, brigando com a irmã, tudo ao mesmo tempo. A quantidade de informação também aumentou muito, e a forma como o conteúdo é ensinado hoje dificulta ao aluno lidar com esse volume pois na escola se ensina a validar conhecimentos, mas não ensina a questiona-los. Alguém que abra uma página de busca na web acerca de cristianismo por exemplo, poderá achar desde informações religiosas sectárias (espiritismo, evangelismo etc.) até movimentos anticristianismo. Como a escola tem preparado os alunos para separar o conhecimento que é válido da informação que é apenas ruído?
Espero que muitos aceitem o convite para quebrar as grades.