quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Cartas do psicoclaustro

Renatinha meu amor.
No quarto ao lado ao meu descobri Renatinha. Meio anjo, meio fada, meio moça. Nem sei por que eu a amava tanto. Seria pela fé com que tocava minha cabeça e dizia:
- Você me perdoa, minha neta?
Ouvindo uma resposta positiva emplacava outra pergunta:
- Posso orar por você? – Que o Senhor Jesus te abençoe e te guarde e que mantenha toda sua família bem.
Às vezes aparecia dizendo:
- Sai daqui agora!
Ou:
- Que palhaçada! Para alguém invisível que ela via no nada.
Sempre sentia muita falta de minhas meninas no psicoclautro. Mas reparei que quando Renatinha aparecia a dor da falta das minhas meninas diminuia.
Depois de um tratamento estranho, com nome bonito e a base de choque elétrico, Renatinha passou a sorrir mais e a dizer períodos inteiros. Amei-a mais ainda.
Um dia na fila de remédio sentei-a em meu colo e ensinei, como havia feito com minhas filhas a muito, que ser feliz era uma escolha.
Não sei se ela aprendeu, mas deu belas risadas.
Tinha o habito de referir-se a si mesma como Nanata. Sussurrava o tempo todo:
- Nanata, não derrame o café!
- Nanata, coma todo o pão!
Era o superego mais vistoso que eu já conheci.
Passei a participar dessas conversas consigo mesma quando entendi a dinâmica. Derramei o leite durante o café da manhã e emendei:
- Falei que não era para entornar o leite, Nanata!
E ela, de cara, respondeu:
- Entornou, vai ter que enxugar. Tá, Nanata!

Olhando firmemente para mim e sorrindo.
Esse sorriso encheu aquele meu dia e trago comigo até hoje, três anos depois de deixar o psicoclaustro.

Norma de Souza Lopes

Um comentário:

  1. São textos primorosos, Norma! Eu não compreendi bem o sentido do psicoclaustro. Pesquisei e não encontrei, mas pela composição etmológica dá para elaborar minha questão: É um internato para crianças com necessidades especiais?
    Abraços. Paz e bem.

    ResponderExcluir