domingo, 16 de janeiro de 2011

DESCONTAR



A professora mandou que declamassem Infância do Carlos Drummond de Andrade. Todo dia juntavam todos naquela cantilena:




Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre  mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.


Olívia pensava nas bananeiras da infância. Fingia que aquele Carlos do poema era ela. O pai, campeando de bicicleta. A mãe trabalhava fora. Os irmãos brincavam na rua.

No meio-dia branco de luz uma voz que  aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Lembrava da cevada de gosto ruim. Também gostava de café. Preferia café.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!

Queria uma mãe como aquela, que ficasse em casa olhando, mansa até com mosquito.

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

No dia da declamação foi a mãe de todo mundo para assistir. A mãe de Olívia não pode. Estava trabalhando. Olívia ficou tão emocionada que teve que respirar o choro até ele parar.
Decidiu que mesmo sem o pai e a mãe faria sua história ser mais linda que a do Carlos Drummond de Andrade.


Norma de Souza Lopes

Um comentário:

  1. eu tenho um pequeno trauma com relação a isso, mas ainda bem que não me tornei um jogador de futebol. Quando criança, um dos meus grandes desejos era que meus pais fossem um dia me ver jogar. Só muito mais tarde fui compreender que eles temiam que isso pudesse ser um estímulo a mais, já que não era essa a vida que sonhavam para os filhos. (em compensação eu brinquei muito na antiga fazenda onde Drummond passou a infância lá na minha Itabira,rsrs.)Que texto lindo, Norma! Abraços. Paz e bem.

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