domingo, 24 de abril de 2011

Quero a poesia acerca dos campos
a água suja que corre nas ruas
o cachorro sem rabo do vizinho


Mas o banal externo só se me impõe
no meu modus vivendi cotidiano
ele ainda não macula minha arte


Mesmo querendo um nova poesia
que não seja eupoesia ensimesmada
me pego poetisando introspecções

O mundo se impõe a mim tão poderoso
que  exercito literá-lo pra fora
aqui dentro só cabe eu mesma

Norma de Souza Lopes

Rebentos

Perplexa, percebo que a vida de meus filhos 
acontece toda em ausência de minha vontades. 
Eu me aventava livre desses umbigos.
( mas bem os queria apêndice
pra fazer o meu não-feito
pra acertar o meu errado)


                                [liga não menina, hão de ser felizes na vida, que desejo de mãe é reza forte]

Norma de Souza Lopes

Ad eternum

Só a arte me salva
De resto vivo plural
Única? Meramente na morte
Entusiasta respiro em fé
e  alegria minhas pluralidades


Só, eu me salvo


Norma de Souza Lopes

Paráfrase às avessas de Martha Medeiros

Eu poderia escrever um livro sobre minha vida e ainda assim seria um resumo.
Norma de Souza Lopes

sábado, 23 de abril de 2011

Macrobiótica

Careço cantar o esplendor 
a risada que assoma o peito.
Antes entristecida alma 
me vejo carne 
ortocélula alimentada.

Será só a matéria corpo 
que responde ao afago,
ou a fortuna clamada, 
cantada nos antigos versos
que me assola o anima?

Norma de Souza Lopes

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Risada




Nas areias às margens do rio observava Minino correr e provocar o cachorro de Seu Lino. Latia forte como um pitbull para o  pequeno cão, que arreganhava os dentes, rosnando raivoso. 
Eu havia gargalhado tanto com aquela brincadeira que depois de alguns minutos senti o fluido mole do riso correr pelo corpo. Era uma sensação morna que deslizava pelo tórax, descia e subia rumo aos pés e couro cabeludo. Vivendo aquele momento senti que seria feliz para sempre. Assim, de um modo fácil e simples.
Olhei para Minino correndo do cachorro e molhando os pés na água do rio. Tão bonito! O cabelo revolto com o vento, o bronze na pele e o porte magro e firme me fez pensar na minha sorte de desfrutar daquela beleza.
Lembrei de quando ele chegou naquelas paragens. Estacionou seu trailer às margens do rio sem pedir e as pessoas começaram a aparecer. Era o garoto que cozinhava, servia sanduíches, peixes fritos e gelados. Todos gostava de se sentar ali perto para comer e conversar com ele. A fala mansa e o jeito despreocupado lhe garantiu até o alvará do prefeito. 
Chamava-se Edmar, mas os mais velhos diziam " o minino do trailer". Acabou ficando Minino. Ele gostava.
Se alegrava com pouco. Uma boa história, um batuque de fim-de-tarde ou uma flor diferente na margem ribeirinha era motivo para deleite de horas.  Eu cheguei aos poucos. 
As brigas com o padrasto me tiravam a pressa de ir embora. Gostava de ficar perto daquele menino sorridente. Passei a ajudá-lo no trailer e fui ficando cada vez mais. Até o dia em que não fui mais embora. Como era boa com compras assumi a reposição dos produtos do trailer. Sempre conseguia preços melhores na feira. Com Minino era diferente.
_ Temos que pagar o que eles pedem, afinal o produto é deles.
Discordava. E assim construí minha utilidade naquele negócio.
Minino tinha um trailer Caravan acoplado ao um velho Chevrolet. Dividiu-o em duas partes para morar e trabalhar mas passava a maior parte de tempo com a lanchonete aberta. Era seu point de convívio. Passou a ser o meu também.
Todos sabíamos que ele podia ir embora a qualquer momento. Podia levar seu trailer em qualquer lugar. Talvez por isso desfrutássemos sua companhia como se sorvêssemos o suco de uma fruta exótica.  
E ele foi ficando por ali.
Dizia que gostava até dos cachorros daquele lugar.

Norma de Souza Lopes

Conversas de miúdo

A mãe na pia, lavando aquela montanha de louça da bacalhoada e o miúdo sai  com essa.
 _ Mãe, hoje tem escola?
_ Você quer dizer aula. Não filho, hoje é domingo de Páscoa.
_ Ah! Queria ir na escola hoje.
A mãe se vira e lança um olhar curioso para o filho.
_ Minha professora contou que a páscoa não é só o ovo de chocolate. Ele contou de Moisés, e de Jesus também. Sabia que ele ressuscitou, mãe?
_ Sabia, filho.
_ Mãe, você achou bonita a ovelha que eu pintei?
_ Achei linda, filho.
_ A professora deu um  bombom junto. Todos na escola ganharam. Você acha que a escola gosta da gente, mãe?
_ A escola são as pessoas que trabalham nela filho, suas professoras, os funcionários, a direção. São eles que gostam de você.
_ Minha professora gosta de mim. Ela brinca comigo, e até está me ensinando a ler, né mãe?
_ Todos gostam, filho. As pessoas que trabalham na sua escola escolheram isso porque gostam de criança e gostam de ensinar.
_ Tem criança que estraga a própria escola, mãe. Eu não faço isso nunca. Acho minha escola linda. 
_ Nem todas as escolas são como a sua, meu pequeno. Há lugares em que as pessoas pensam diferente, acham que escola são pequenas fábricas de construir aprendizes. Se esquecem de presentear e de brincar por acham que isso não é importante.
_ Ainda bem que minha escola é não é assim, né mãe.
_ Ainda bem filho.


Norma de Souza Lopes

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nesses dias

Nesses dias
Nada me afeta
a ponto de virar poesia
apenas essa fadiga vazia
e a saudade dos dias
em que as dores e os amores
em mim gerava cria
de palavras em demasia

Norma de Souza Lopes

sábado, 9 de abril de 2011

Omenosidade

O contato com criança pequena produz em nós inúmeras possibilidades de brincar  e é o que tenho vivido depois que passei a ser professora de uma classe de pequenos de seis anos. Tenho brincado até em sonhos.
O sonho que tive essa noite é a prova clara de que estou brincando até quando durmo. Em um quintal cheio de crianças eu conversava. Brincava e circulava entre elas até que me abaixei diante de uma pequena Camila, de cabelos alisados, muito parecida com outra pequena que conheci a tempos atrás. Perto dela um cão se coçava e eu tentei impedí-los colocado as mãos entre suas pernas e seu pescoço. O cão aborrecido com a brincadeira,  me mostrou os dentes.
De repente encontro no chão um recorte de jornal com  a seguinte manchete: A Omenosidade.
Pego o recorte para ler e descubro que ele descreve um fenômeno no qual as crianças podem ordenar que objetos animados e inanimados se movam na direção desejada.
A matéria apresenta ainda uma entrevista com Wendy, a menina que foi convidada por Peter Pan para ser mãezinha na Terra do Nunca. Algo  mais ou menos assim:
" No começo eu tentei mandar nos casacos e nos guarda-chuvas. Isso foi fácil. Eles circularam bem afoitos pelo quarto. Depois tentem mandar em Peter Pan. Apesar de sua resistência em pouco tempo o menino obedeceu. Só tive dificuldade com uma xícara que se recusou a seguir minhas ordens e por isso tive que erguê-la com uma espada."
No sonho pareceu claro para mim o que significava o fenômeno da omenosindade
No entanto minha filha, que teve de sair mais cedo para sua aula de sábado na faculdade, fez barulho no portão me acordou antes da hora. Peguei meu inconsciente de surpresa nesse chiste. Me levantei tentando, como sempre, ler nas entrelinha dessa conversa com meu id algo que torne meus dias mais amenos.
O que seria Omenosidade?
Só pude dar uma bela risada.
Não é que o matreiro estava, poeta como eu, brincando com as palavras?
Omenosidade não passa de uma junção das palavras O menos idade.
Vi que meu inconsciente, assim como Marcelo, das histórias de Ruth Rocha, estava brincando enquanto eu dormia.
Mas eu, que também sou esse inconsciente matreiro, tratei de aprender com isso. Estou certa que devo manter acesa minha capacidade de imaginar, de fantasiar e de crer no sobrenatural. Apesar das vicissitudes deste mundo não posso  perder a minha Omenosidade.

Norma de Souza Lopes