quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Me escrevendo

lá fora pulsa a figura
que faria belo meu poema
mas permaneço sentada no escuro
garimpando imaginário
signo que valha uma prosa

Por preguiça de viver
sigo escrevendo
por medo de sentir
sigo escrevendo
inútillmente
a dor dilacerante 
não respeita o escuro

A tragédia minha de todo dia
punhal afiado na carne
não cessa de doer
mesmo comigo imóvel 

Costureira de palavras
tateio em busca
da estrofe-linha
do verso-agulha
que costure as feridas
mas não há palavra
que cosa a realidade

Norma de Souza Lopes


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

50 % dos meus fracassos foram determinados por minha intolerância à frustração.

Norma de Souza Lopes

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A mania que os lugares tem de se esvaziar das pessoas e de sua memórias me impressiona.
Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

nem doeu

na primeira vez
perdi minha mãe 
(freud explica)

na segunda
meu pai
(continuo perdendo-o)


na terceira
meus filhos 
(os dos sonhos)

na quarta
quinta
e sexta
a casa 
(nunca tive uma que fosse minha)

e acabo de perder um tempo precioso
com esse poema

NSL
26/12/11




sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Nem tão alegre

Tem essas pessoas 
que sabem da minha tristeza
daquela que me escondo
por isso falo tanto
com essas pessoas
para ver se doo
um bocado de tristeza na fala
sem isso ela me engole
e a morte vira um risco

Norma de Souza Lopes

Por que escrever?

Por que navegar entre tantas figuras, buscar apalpar aquelas que me descrevam?
Obedeço a esse frenesi que me faz a todo tempo querer escrever, que me faz tremer diante do recem-escrito e que me abandona assim que posto sobre o branco as palavras. De novo estou vazia. E diante de mim vejo o vazio.
Penso dizer algo sobre mim ou sobre o mundo com essa tantas palavras  mas me engano.
Nada verdadeiro posso dizer. Palavras não aprisionam a realidade.
No exato instante em que lanço palavras o que descrevo algo isso já não é, já se esvaiu.
Ainda espero que quem me leia possa dar um novo sentido a minha escrituras, algo que o valha.
Mas já intuo. Será um sentido de instantes, efêmero.

Norma de Souza Lopes



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

a morte lenta
das flores vivas
me faz amar
as flores de plástico
medo da efemeridade

mas me cansa
ser de plástico
Ando aceitando o desfazer inexorável
que submete a mim e às coisas

E na dúvida
enfeito minha casa com sempre-vivas

Esteio de palavras

Não creio nas palavras
divorciadas do ato
palavras gordas
usadas no trato
diário comigo
não nutrem

Eu te amo, campeã
palavras gordurentas
engorduradas
se não abraçadas
ao ato amoroso
ato de reconhecimento

Me alimenta
a ação cotidiana
o ato miúdo
quase orgânico 
dos que me respeitam
e me amam sem palavras 


Norma de Souza Lopes

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

terno

o homem na porta do Palácio 
das Artes
me deixa entrar
mas seu terno 
não
me deixa 

que artes 
eu posso
que espaço
eu posso

não dou
um passo
na direção daquele terno
do homem na porta
do Palácio
das Artes

NSL
13/12/11

Das conversas na roda e outras revelações

Se falo
espalmo os calos da infância
o que  revelo
me devassa a alma
e sofro

Se calo 
escondo as dores da infância
o que velo
me fermenta a alma
e morro


Norma de Souza Lopes



Todas as palavras já ditas juntas

Buuuuuum
a poesia costurou palavras
vedou selou
explodiu

Norma de Souza Lopes






sábado, 10 de dezembro de 2011

Iracunda

Para os que me dizem 
ria baixo
respondo com raiva
raiva
que me aperta a intimidade
quase vontade de sexo

Todo sentimento será erótico?

Norma de Souza Lopes

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Todo dia


Isso de morrer tossindo não me cabe
não faço poesia romântica
não sou heroína de grandes causas
mergulho nos outros
gosto de rosto corado
o que me assombra é o todo dia
anseio o segundo feliz de cada semana

Ainda que eu morra de tédio
não morrerei de amor ou de ódio

Norma de Souza Lopes

Comovida

Canto ao pôr-do-sol
como canto à vida
vê-lo me lembra
que estou viva
deixo me comover
por saber que a morte
como véu
irá encobri-lo


Norma de Souza Lopes

Agora já posso dizer

Agora já posso dizer que o amo
atravessei com ele a estrada da memória
de mãos dadas
ele me disse que a mãe de tão gorda
não se fechou no caixão
não a enterrou

Depois da confissão ficou enfezado
desistiu de comer
mas me alimenta
e me aprisiona em suas mãos

Me quer gorda para não me enterrar também?

Agora posso dizer que o amo
agora que todos as formas de amor se foram
tenho medo que ele também se vá
morte, novo amor, doença

Como o agora é frágil!

Norma de Souza Lopes


domingo, 4 de dezembro de 2011

Ainda há tempo?

Passam invisíveis por nós
tão pouco amados
ou reconhecidos
ou lidos por nós

E nós
arrazoados
somos infelizes
apenas por olhar
olhar e não ver 
olhar através

Não basta esperar
que eles se revelem a nós
e preciso
arregalar
os olhos da alma
e ver 
companheiros invisíveis
amigos invisíveis
filhos invisíveis
que passam por nós

Norma de Souza Lopes




sábado, 3 de dezembro de 2011

Lâmina

Não tive pai que me cortasse
quem me cortou foi a poesia
cindiu minh'alma como lâmina
e me fez pousar segura 
sobre a tragédia que é a vida

desnecessário foi
desintegrar a linguagem
empregar luta corporal
me desintegrei primeiro
palavras me atravessaram


Assim tão só
assim tão pó
assim tão pouco


Vou refazendo as bordas do furo
preenchendo espaços com palavras
palavras hoje me costuram


Norma de Souza Lopes

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Seminal

E se abandono hoje a poesia do querer?
Não impô-la a ser
Deixá-la insurgir de mim
poesia lágrima
poesia pústula
poesia fezes
poesia suor
que se obriga a sair

Então a figura do que senti
vai brotar de mim
econômica
encolhida
vísivel

Norma de Souza Lopes
"A vida é inventada" , "a vida é mutirão", " a vida é acaso e probabilidade",  "a arte é o máximo de significado no mínimo de forma", " a arte existe porque a vida não basta", "tudo é expressão mas nem toda expressão é arte", " as linguagens são intraduzíveis entre si", " poesia é um artefato vocabular que tenta imitar a sensação do cheiro do jasmim", "o sentido da vida é o outro (quando morrerer para mim serei nada, serei apenas memoria na consciência do outro)".
Ferreira Gullar
http://www.youtube.com/watch?v=pyBijXIjK48

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

desrealidade

Nada me agrada perseguir o real
miolo que não existe
cuido apenas fluir
flutuar nas diversidades
das meias verdades
genuínas pela metade

Norma de Souza Lopes

Galope no tempo

Se a vida me desse tempo
eu galopava no vento
acertava meus ponteiros
como a menina que fui primeiro
com a moça que perdeu o tento
e voltava a ser feliz
o que sou nesse momento

Norma de Souza Lopes

Elementar

Quando fui terra meus pedaços modelaram
Tornei-me sólida osso duro de roer
Quando fui fogo aqueci até fundir
Cozinhei em fogo brando, plasmei e deformei
Quando fui água escoei, diluí e  dilatei
Lavei a cara, lavei a palma, lavei a alma
Quando fui ar tratei de avivar minha essência
Limpei o tempo, andei no vento, sequei a memória
Andei em círculos buscando o quinto elemento
Nessas andanças fui construído minha história

Norma de Souza Lopes