domingo, 31 de maio de 2015

Quando é pouco o amor que me dedico
E tropeço nos olhos do desejo
Me chamando "Vossa mercê"
O resultado e um dia inteiro 
Tentando relembrar um rosto
Uma fileira de dentes perolados
Um brilho negro na pele
Uma textura do cabelo
Uma rigidez das panturrilhas
É assim o dia em que o  amor que me dedico não basta.

NSL
31/05/15

sábado, 30 de maio de 2015

você acha que eu poderia ser uma lagartixa?

você acha que eu podia ser uma lagartixa?
deixar meu esconderijo pela manhã todos os dias
aquecer-me ao sol
comer umas formiguinhas 
pequenas moscas 
pequenos frutos caídos no chão
sem nenhuma poesia
eu poderia?

ser um lagarto
e placidamente balançar a cabeça 
demarcar território 
aquecer-me ao sol 
comer insetos 
sem nenhuma poesia
eu poderia?

viver para sempre nessa casa torta
esses velhos móveis
esses sapatos gastos 
sem nenhuma poesia
eu poderia?

levantar todos os dias
atravessar meus 25 passos 
cumprir na minha jornada 
almoçar sempre às 11:30 
sem nenhuma poesia 
eu poderia?

você acha que eu poderia ser uma lagartixa?

NSL
30/05/15

quinta-feira, 28 de maio de 2015

o inaudível fim de uma quase história de amor no metrô


_ Alô?
_ !
_ Já te falei pra não me ligar!
_!
_ O quê?
_!
O quê?
_!
_ Fala mais alto!
_!
_ Não me liga mais!
_!
_ Fala mais alto!
_!
_ Não te interessa!
_!
_ Olha, a gente se já se separou. Eu nem sei se te amava. Agora você faz da sua vida o que quiser!
_!
_ Ahn?
_!
_Você sabe que eu não escuto quando estou com raiva.
_!
_ O quê?
_!
_ O quê?
_!
_ Fala mais alto
_!
_ Eu vou desligar!
_!
_ Não sei, não quero saber, e tenho raiva de quem sabe!
_!
_ Que mais ela disse? Ela não sabe nada de mim, nem me conhece essa mulher!
_!
_ Nem ligo
_!
_ Saio hoje, saio amanhã, saio quando quiser, sou livre!
_!
_ Vou desligar!
_!
_ O quê?
_!
_ O quê?
_!
_ Aqui, vou desligar. Tchau!

NSL
28/05/15

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Apresentação no Sarau Comum Luiz Estrela dia 23 de maio de 2015

NormanSarau Comum 23/05/2015
Posted by Sarau Comum on Terça, 26 de maio de 2015
eu aqui, como criança 
que se abaixou para amarrar os cadarços
esperando que a vida pare
e espere que eu disperse as sombras
mas ela não para
está lá adiante
fazendo crescer gramínea do jardim

NSL
27/05/15

domingo, 24 de maio de 2015

persecução

chegue aqui menina
quero te abraçar
olha, ninguém está rindo 
pelas suas costas
não há ninguém 
atrás da porta

o que você quer saber?
posso te contar um tanto
sobre a rejeição
já vivi de tudo
hoje corto pedaços
para caber dentro do amor

sei que teve medo
dilacerar os pés
nas escadas rolantes
foi lancinante
olhe-os agora
estão colados de novo

percorreu vales
subiu montanhas
no topo tudo era possível
só serviu pra provar
que nenhum solo é sagrado
impossível mesmo
foi amar a si mesma

agora que você é seu pai
e sua mãe, menina
quer gozar de tudo
e para sempre
no  entanto
gozar pra sempre 
é a morte, querida

escuta pequenina
você pode escolher
copiar os sonetos do petrarca
ou nunca escrever nada
ainda assim sua vida
será uma invenção

chore não menina 
ninguém está rindo 
pelas suas costas
não há ninguém 
atrás da porta

NSL
24/05/15

es (ca) vatar

Ser o que sou no meu tempo é viver numa espécie de fenda, um vácuo onde ficam os transparentes, os despertencentes. A despeito de minhas descobertas acerca da importância de ser invisível para escapar à máquina do mercado, não consegui viver assim. Quero ser vista, re-conhecida. 
O olho do outro é um espelho, um termômetro que me conta se mergulhei ou não no mundo de ficção que é a minha imaginação. E é também o olho do outro que, de fora, confirma a minha feiura, minha beleza. Olhos não miram para dentro.  
Mas venho aprendendo a escutar. Escuta sensível.  Com isso tenho visto que diante do outro é preciso escavar vestes, pelos, peles até chegar debaixo do avatar que todo mundo usa para sobreviver. No fundo todos se travestem para serem amados e respeitados. Há quem tenha aprendido a pedir. Outros sacam de conquistar. Mas há, infelizmente, quem queira ganhar no grito. 
E debaixo desse avatar, o que sobra? Sobra a voz. Não o grito, a voz, essa massa sonora. É com a voz que quero tocar e ser tocada. Com ela o barato é de perto, cara a cara, não há fuga. E onde desfilo todo dia minha figura, a voz é usada para espalhar poesia, essa musa. 

NSL
24/05/15

quarta-feira, 13 de maio de 2015












Olhos mansos. Perfil de mulher edulcorada. Sorriso melífluo, de vergamota recém-descascada.

Priscila Merizzio

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Último ano

este é um momento excelente para contar 
que todos os jardins e hortas que tive foi você quem fez
que você o tempo todo faz reparos na casa
mas o maior reparo que fez foi em minha alma ferida

vejo que cinquenta e quatro anos é uma idade excelente para homens
e suas companheiras
mesmo essas que guardam  segredos assustadores
como o fato de eu pensar 
esse é meu último ano
sei também que você parece não gostar
quando digo 
não saia sem me beijar, pode ser o último beijo
mas se digo tudo isso agora
é porque eu lia o Carta de Outono 
do Donald Hall
e entendi que a saudade 
que eu sinto de você
vem do futuro

NSL
11/05/15

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Só sendo portadora de sombras incomensuráveis para avaliar o valor de um dia feliz. Se por acaso eu me colocar em silêncio não se zangue. Não posso permitir que minha sombra pouse sobre você.

NSL
08/05/15

quarta-feira, 6 de maio de 2015

meninos que caem

meu umbigo sussurra ideias mirabolantes  
para mim e o para os dez meninos 
das carteiras de trás

escondam-se debaixo da mesa
até que ela se vá e tranque a porta

E continua

façam silêncio, ela ainda pode ouvir

o primeiro lança-se pela janela
do segundo até o nono 
todos lançam-se pela janela
enfim lanço-me pela janela sorrindo
que engraçado será quando as mamães 
virem seus filhinhos sangrando 
porque tiveram de saltar da janela
do segundo andar

meu umbigo sabe das coisas
sabe que ela
depois da terceira cartela
de fluoxetina
e rivotril
vai parar de me exigir 
a lição de casa
e esta parafernália 
estudantil

NSL
06/05/15





segunda-feira, 4 de maio de 2015

No ano em que o mundo ia acabar

Um dia, era o início de 2012, eu acho. Não,  estou certa que era 2012 pois sabia que seria o ano em que o mundo ia acabar eu ia caminhando pela rua pensando que eu precisava reler "As Brumas de Avalon" pois aqueles eram livros que não se pode morrer sem reler. Foi quando vi um pardalzinho molhado na água de esgoto da sarjeta. Me abaixei para acudir o pobre e com um pedaço de graveto tirei-o da água. Percebi que ele tinha penas furta-cor no cocuruto. Levei para casa para secá-lo e ele me contou que o pai o havia jogado para fora do ninho porque tinha inveja de suas penas furta-cor. Perguntei sobre sua mãe ao que ele respondeu: " O que é uma mãe?". 
Me preocupei em como faria para cuidar do pobre pássaro e ainda trabalhar até que decidi levá-lo comigo e ensiná-lo a contar histórias. O danadinho se saiu tão bem que em poucos anos acabou ganhando um premio de melhor dramaturgo do ano.
Hoje você pode ver nos melhores teatros do país as peças d"O Pardal de Cocuruto Furta-cor". De vez em quando ele vem me visitar e ficamos até tarde rindo de seus romances com a fãs de histórias de passarinhos com penas furta-cor no cocuruto. 

NSL
04/05/15
A TROCA DA RODA
Bertold Brecht
Tradução de Paulo César de Souza
Estou sentado à beira do caminho
O condutor troca a roda.
Não gosto de estar lá de onde venho.
Não gosto de estar lá para onde vou.
Por que olho a troca da roda
Com impaciência?
Lendo este poema e pensando: quero estar na terceira margem. “A terceira margem do rio” é o título de um belo conto de João Guimarães Rosa do libro Primeiras Estórias. É a história de um homem que segue em uma canoa porém nunca chega em nenhuma margem, está sempre ao meio. Nela os sonhos tomam vida. Estar na terceira margem é estar na quadradura do círculo, na entrada de um novo e amplo castelo dos mistérios. A terceira margem é uma terceira possibilidade que não está aqui nem está do outro lado. 
E não é o meio do rio que a vida está acontecendo?