sábado, 31 de dezembro de 2016

Contra a bad que bate, e ela bate por causa do pensamento em bloco, coloco em um ciclo o tempo.
Um ano inteiro que vai começar e terminar.
Meses inteiros que vão começar e terminar.
Dias inteiros que vão começar e terminar.
Minutos, segundos, começar e terminar.
E quando acabar eu não vou estar lá.
Contra a bad que bate, coloco o tempo em ciclo <3 p="">

sábado, 17 de dezembro de 2016

cala a boca já morreu

ainda que este poema não atendesse aos cânones de universalidade da poesia brasileira contemporânea;

ainda  que ele fosse um soneto ruim, rimas pobres ou umas quadrinhas bem chinfrins;

ainda que ele só falasse de mim;

ainda que ele arrastasse  uma prosaica estranha;

ainda que eu o tatuasse suas letras disformes em minhas entranhas;

para desgosto dos poetas classistas ensaistas  puristas;

ele ainda seria um poema.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

gambiarra

ainda está invisível
mas alguém já está inventando
um solução inesperada e caótica
para por fim a esta dose de perplexidade
que eles nos administram todo dia

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

meu desejo

há um ano
e muitos meses
partiu o meu desejo
em sua direção
desde então
observo-o de longe

tanto tempo
e nada de notícias
do meu desejo

ou perdeu-se no caminho
até a sua cama
ou fez de você
sua nação

(inspirado no poema  "Hace dos años" de Maram al-Masri)

sutil

pensar em você
faz soar em mim
uma canção espessa
sons de selva

podia ser música
mas este poema 
é só uma carícia

sábado, 3 de dezembro de 2016

da arte de lamber as feridas


não sou dessas que aproveitam
a queda para voar
demoro a me levantar

invisível à lupa do google
permaneço na sala de espera
não fui asceta o suficiente
para vencer

de tão larga a ferida
que parece um sorriso
dou graças pela língua bífida
poemas e piadas 

tivesse chovido
eu ia pensar
"a tristeza é tão óbvia"

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

uma mulher

como quem se prepara
para um encontro
com o nunca será
uma mulher
(que às vezes sou eu)
escreve

escreve para encobrir
os lamentos da falta inominável
escreve para se reerguer
dos tombos dos degraus da vida

a falta é um cálculo na carótida
e dos tombos só restam
as cicatrizes nos joelhos

dia desses uma mulher
(que às vezes sou eu)
iniciará o caminho avesso
de arrancar as páginas

é tudo uma questão de tempo

terça-feira, 29 de novembro de 2016

jornal da manhã

não como um bloco de nuvens
de árvores ou passos
na areia
fronteira com o mar
não é assim
que o mundo se revela

é mais como um carro anfíbio 
com esteira
uma fileira de animais selvagens
em fuga

quantas manhãs
ainda terei forças
para me arrancar do chão
esta pasta atropelada 
pelas tragédias?

sábado, 26 de novembro de 2016

só por uma noite

marquei um encontro comigo ontem
desses sem vinho, sem velas
apenas música, dedos e sussurros
cuidei de me alegrar
por compartilhar comigo
estas cidades
este século tenebroso
sem renunciar à luz
dei de mão
para espantar os fantasmas
tão mortos
mas ainda preenchendo
minha caixa craniana 


dispensei os gritos
de minha árvore genealógica
só por uma noite
você deve estar se perguntando
tudo isso, e sóbria?
sim sóbria!
ébria perco a poesia
do encontro comigo

por uma noite entendi o amor

Foto  Marc Riboud


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

projétil

da rua, a janela
da janela, a estante
da estante, livros
e nos livros
gritos domesticados
um desperdício de revolução

câmeras automáticas

demora alguns dias
quando se aprende 
fica mais fácil
ajuda saber como começa
e como termina
só é preciso dizer sim
ao que se segue

primeiro é preciso profanar a tristeza
diante das câmeras automáticas
tecer sonhos sob o jugo cinza do céu
revisitar lugares na esperança 
de encontrar um grande amor

depois cabe abrir o ventre 
à posse indômita da paixão
(que não vem), amar 
com imensa raiva no coração
e desfiar segredos de amor 
entre os dentes

por fim deve-se sangrar os dedos 
podando roseiras estéreis 
cravar as unhas nas mãos
ceder à tração da melancolia
até atingir a posição fetal

como eu disse
só demora alguns dias
e então poderá começar
a se desenrolar
e profanar a tristeza
diante das câmeras automáticas 

domingo, 20 de novembro de 2016

o que eu queria

Para Fabrício Corsaletti

eu não queria essa vocação para amar, essa febre 
tampouco a consciência contínua 
de que não cabem três felizes 
numa história de amor

queria os gritos da matilha 
traduzindo a voz da noite
mas ainda há o medo da dor
a solidão, o silêncio, o desamor
380 kilos por polegada quadrada
é a mordida de um lobo

sábado, 19 de novembro de 2016

Converso com minha tristeza todo dia, é preciso amansá-la. Acharia imperdoável não dançar e não festejar. Tantos dos meus sucumbiram, perderam o direito a vida. . Dançar e festejar é o minimo que posso fazer pelos amigas e amigas que perderam o direito a vida por não ter nascido no lado protegido da história.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

um cavalo galopando em meu peito

dispensados os lastros do passado
coleciono abismos festivos
ainda não sei as asas
mas anseio a hora de saltar

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Para Carolina Reis


Há vinte cinco anos atrás eu costumava correr com naturalidade para o trabalho e para a escola todos os dias como se essa fosse a única vida possível. Tinha uma cabeleira vermelha e selvagem quase na cintura, arrancava todos os meus pelos de maneira dolorosa e  vestia calças jeans us top com as quais eu mal conseguia respirar e me sentia horrorosa. Cultivava namoros duvidosos, nunca tinha grana para sair, fumava um maço de cigarros por dia e achava que seria doméstica para sempre. Ainda não tinha escrito nem uma poesia, apesar de ter lido muitos livros.
Há cinco anos mantenho minha cabeleira platinada acima dos ombros, deixei de fumar, já publiquei um livro solo, tenho poemas publicados em inúmeras revistas e antologias e estou prestes a lançar outro livro. Não visto mais roupas apertadas, uso maravilhosos vestidos soltos, ensino liberdade, poesia e literatura onde passo, saio muitas vezes por semana e só amo quem é capaz de me amar como sou. Graduei, pós-graduei e apesar da minha tristeza atávica me sinto a mulher mais amada do mundo. E se te conto isso é para mostrar que dentro de uma vida cabe uma imensidão. Mulheres morrem dentro de nós todos os dias, mas as que renascem são infinitamente mais felizes. Cabe uma miríade de vidas dentro de uma mulher. 

a despeito dos clamores pelo meteoro

há anos-luz
tudo virou pó
e foi engolido
por um buraco negro
sem pathos nem lirismo

mas o  poeta
tal qual a Terra
os planetas
o Sol
as galáxias
e o Universo
segue sua órbita



curva

estou condenada
à esta curva
entre as omoplatas

receber abraços
não parece reeducar
o traço do meu corpo

anunciaram uma lua obscura
e uma paixão gratuita
mas nem mesmo o amor
e o apreço vaidoso
que  me dedico  me basta

de novo essa longa madrugada
costurando os cortes da falta
que a vida me desferiu
eterno buraco de bala

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

ainda ontem eu tinha uma casa arrumada

parece um sorriso
mas apenas porque as roldanas
que erguem as 32 pedras
das ruínas do meu coração
são invisíveis



domingo, 13 de novembro de 2016

Longe demais

aqui onde eu guardava
derradeiras certezas
debaixo do seio direito
uma lâmina invisível
procede o corte
longe demais da 
ponta de seus dedos
te desejo

sou dessas raízes doces
que esperam ser amadas
sem ser arrancadas

quem negaria a beleza 
de uma raiz
sonhando ser barco?

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

relevo

hoje pela manhã toquei na testa
aquele relevo indelével
marca da violência do primeiro casamento
(não deveria chamar casamento
o que nos desintegra)

de tudo me lembro de por
sempre a mão em seu peito, antes
um ato reflexo de sustentar a proximidade
a partir do toque
e por fim, num esforço
para manter a distancia segura

na mudança saímos, eu
com alguns móveis, eletros
um vidro de biscoito e um filho
você com uma máquina de escrever
e uma bicicleta


domingo, 30 de outubro de 2016

koi no yokan

os pés lastimam 
ter que caminhar
pelas ruas sujas
até a escolha
entre o ruim e pior
domingo de eleição

lagartos se escondem 
entre as heras do muro
há sentimentos 
entalados na garganta
é preciso mimá-los 
para que não saltem

lembro aquela polaroide 
pose de cabeça tombada
a alma feridade de quem 
não sabia escolher
não, nunca mais 
será assim

um amor canta
em meus sonhos
ao som das cordas 
fá, sol, fá, mi, lá
e eu faço dançar
a bailarina que mora 
em meu coração

quase impossível 
encontrar o caos
e não amá-lo
teria que dizer
em japonês
koi no yokan

a batuta da paixão 
orquestra as teclas
e os pés lastimam
mais uma vez
ter que caminhar
pelas ruas sujas
o lagarto escondido 
entre as heras 
do muro 
sou eu





sábado, 29 de outubro de 2016

Você é meu slow motion

Você não sabe, mas todo dia tenho que responder à pergunta:
_ Seu marido não liga por você ser assim?
Te respeito o suficiente para não sair por aí nomeando seus sentimentos.
_ Não sei.
Mas a recorrência da pergunta me faz pensar no que esperam de mulheres e maridos por aí. São tempos difíceis, em que as posses não negociadas estragam os relacionamentos. E, assim como os liquidificadores, não se consertam mais os relacionamentos estragados. São jogados no lixo.
A gente segue consertando, consertando... Suspirando o medo de que um dia não funcione mais.
Quem nos conhece sabe o quanto somos diferentes e o quanto nos esforçamos para diminuir as distâncias entre nós. Não é fácil. O pedreiro e a poeta.

"você
voz de cabeça
marreta
eu 
voz de falsete
poeta [...]"

Do lado de fora eu me realizo, danço esta dança solo chamada poesia. Aconteço, agito e sou livre como só com você eu poderia ser. Exerço minhas paixões no âmbito das palavras e minha intensidade no âmbito do corpo. Você por sua vez segue no seu vagar, assoviando enquanto aumenta a casa, melhora a casa, enfeita a casa. Eu vibro em outra velocidade. Corro intensamente aqui fora mas sempre volto para dentro. Me obrigo a desacelerar, desacelerar, desacelerar até parar e desfrutar. Você é o meu slow motion e é uma alegria que seja assim.
É o que nós ganhamos pelos quase vinte anos de monogamia escolhida. Quem me pergunta se você não liga talvez esperasse outra relação, menos diferenças. Mas as potências se realizam é na diversidade. 
Talvez você ligue. Mas sei que nunca iria me dizer. E dessa qualidade o seu amor. E eu sei que, se estou tão feliz com o que me tornei, devo em parte a você. Ainda sinto suas mãos em minhas costas, exatamente como elas estavam quando eu, soterrada pelo lixo que a vida me fez comer, não conseguia me mover.
Se isso não for amor, eu não sei o que é. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

um poema interminável

e há os dias em que a gente deseja
escrever um poema nu
como aquelas músicas instrumentais
que as rádios tocavam ao meio-dia
um poema sonoro como o clac clec
das pedras guardadas no bolso
para o mergulho de emergência
um poema que parisse esquecimentos

mas não há palavras que possam alvejar 
as nódoas do coração
tampouco posso dispersar
os cães sem dono no portão
no fim a gente se acostuma
a caminhar por essa rua sem nome
os números fora de ordem, a vida
já seria bom se eu estiver presente
no meu próximo aniversário

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

a memória das coisas

tento não sucumbir à tristeza
tal qual aquele traje floral 
esquecido no cabide 
desde o dia do nosso primeiro abraço
as coisa não tem pretensão nenhuma
mas nunca perdem a memória do que viveram

tento não sucumbir
e abraço feito louca aquela veste
bailo pelo quarto em seus braços delgados
só nós duas compreendemos 
a incalculável saudade do que não foi 


quarta-feira, 19 de outubro de 2016

esperaria muitas vidas por você

entoo uma canção nupcial inteira
em minha língua materna
e espero que ouça
a doze quilômetros daqui

posso imaginar
a tempestade de roupas
espalhadas pelo chão
depois do nosso encontro

a ternura amassada do lençóis
que eu afasto
para admirar a pintura
do tempo sobre sua pele

e só porque te amo
digo a palavra plátano
a palavra estrela, sal
e ainda assim estarei dizendo
meu amor, meu amor



terça-feira, 4 de outubro de 2016

Cântico


Eu sou do meu amado
E ele é meu
Uma gazela aprisionada
Um cervo perdido no prado
Eu sou do meu amado
E ele é meu

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

joaquim

depois o almoço
balanço para trás a cadeira
sonolenta

os dedinhos do meu neto
deslizam sobre meu rosto
playground de dobras e rugas


explora meus dentes
puxa meus cabelos
finjo morder-lhe a mão
e sondo meus medos

quem me dera um mundo

pacífico e cheio de brilho 
quanto seus olhos




sábado, 24 de setembro de 2016

o mais belo mito

há que se fechar os olhos
passar ao largo
pelas pequenas dores cotidianas
uma falta de grana
um filho alto demais
para a carícia na cabeça
as ordens são explícitas
não pare de sorrir


a casa
a horta
o jardim
uma garrafa
e nós a fragata

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ardis inúteis para parar o tempo

me persegue feito um louco
navalha na mão
o tempo

meus flertes com a morte
o aborrecem
mirem os talhos em minha cara
foi o tempo quem fez

a despeito daquela velha história 
acerca do barro
para o tempo sou silício,
terra permeável

(não fossem as ampulhetas
seriam improvável pensar em areia
sem imaginar relógios emperrados)




sábado, 17 de setembro de 2016

Treze anos e intensidade suficiente para subir em um caminhão de eventos na maior praça de Nova Lima e fazer a pior execução possível do "trem das onze" dos Demônios da Garoa. Era a única letra completa que eu conhecia mas por Deus, eu queria estar lá em cima! O que se seguiu foi uma vaia tão ruidosa que ecoa em meus ouvidos até hoje.
Situações como esta se repetem em minha vida, dada a minha vaidade e desejo absoluto de ser vista. E devo dizer, a despeito do choro e da tristeza, que elas são os mais úteis golpes ao meu ego inflado.

"As brigas que ganhei
Nenhum troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei

As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci
Eu nunca esqueci"

https://www.youtube.com/watch?v=UxZnFM-8SuU

minhas mãos cheiram à tristeza

não é um algoritmo
é por acaso
um dia você para e pensa
"se ela me amasse
me escreveria poemas de amor?"

por acaso é que pensa
"tenho sede
poderia saciá-la em teu seio"

por acaso é que deseja
deslizar nas curva incertas
de minhas ancas

por acaso é que pensas
na bela dança que poderíamos executar

não te seduzas ao acaso
em mim o caos se mistura com as coisas belas
nuvens, sol, brisa
sou um abismo
para o qual ninguém deveria olhar

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

outro dia de mania

repito "vou morrer"
como quem sabe finita a vida
mas ainda não acredita

morrer sem ter tido um gato
estar no quinto andar
e não poder saltar

lá fora
um alfabeto de mentiras
convoca minha atenção
aqui dentro
um incêndio
de palavras eufóricas


assopro as cinzas quentes do amor
e o que tenho é um vapor
frio no lugar da carne
congelo estúpida
instantes de olhar


estou aqui agora
depois serão apenas os livros
os vestidos
e os sapatos
e a falta de coragem para doar


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Às vezes - Lety Elvir Tradução Norma de Souza Lopes

Às vezes
uma- eu- só quer
que alguém- vós - venha
passe sua mão em meu pescoço
pouse sua língua fresca
                      -ou de fogo-
em minha boca aberta
indecentemente molhada
que erga meus pontos cardeais
                      -carnais-
Às vezes
uma só quer
beijar tua cintura, tocar tuas nádegas
em qualquer esquina cega.
Sentir-se viva
em meio à tanta neblina.

Às vezes
uma só quer
perder-se na noite  de alguém
descongelar o frio entrincheirado em seu peito
levantar a saia
gritar-te muitas verdades.

in http://emmagunst.blogspot.com.br/2016/09/lety-elvir-3-poemas-3.html

domingo, 11 de setembro de 2016

Este é pelas doentes mentais Poesia de Sol (Valencia, Espanha) Tradução Norma de Souza Lopes

Este é pelas doentes mentais.

Este é pelas que jamais marcharão em uma manifestação.

Este é pelas que guardam um vidro de pílulas na mesa de cabeceira.
Pelas que disseram não às pílulas.
Pelas  que disseram PÍLULAS, POR FAVOR.
Pelas que não puderam se permitir as pílulas
Para aquelas que não podem pagar as pílulas
Porque todavia temos que pagar pela sobrevivência
Mesmo quando a pessoa que está segurando a faca
Dorme em nosso peito.
Este é para aquelas de mãos suadas e ombros tremendo.
Por que elas não podem gritar por seus direitos, porque elas estão com a respiração fora de controle.
Por que elas chamam de um bom dia
Quando podem sustentar a respiração.
Por que eles chamam Renascimento
Quando podem sustentar-se a si mesmas.

Pelas que trocaram segredos da infância
Por tinta amarela,
Porém Freud nunca supos realmente como ajudar.

Este é pelas que não só ouvem vozes
mas tem um coral inteiro na cabeça.

Este é pelas que nos dizem
‘o lugar de uma mulher é
Na revolução’
Quando nem sequer podem sair da cama,

Pelas que tem alterações de humor tamanhas que poriam fogo no mundo
E engoliriam as cinzas amanhã à noite.

Este é pelas que tem amnésia e esquecem quem são
Mesmo quando é do que têm mais orgulho.

Este é pelas que não podem nem ler um livro.
Como vão se formar em uma ideologia inteira.

Este é pelas que não podem lutar  para sair das mãos dos homens
Porque as vozes deles disparam flashbacks.

Este é pelas que não podem beber e recusam os convite
Pelas que não podem beber e continuam indo.
Pelas que não deveria beber
Porém que se apresentam bêbada, drogadas, fumadas nas concentrações e assembleias
Porque não conseguem para de consumir.

Este é pelas que levam com tanto orgulho as cicatrizes autoinfligidas como suas bandeiras
Pelas que se envergonham todavia de ambas.

Este é pelas que necessitam de aviso de conteúdo sensível para o mero contato humano.

Este é pelas que leem sobre liberação sexual
Porém só ouvem: fode, fode, fode, assim, fode mais.
Quando elas só querem poder deixar de fuder.

Este é pelas vítimas de abuso sexual que parecem que não são
bastante revolucionárias por não fazer a revolução fudendo.
Pelas que não podem parar de fuder para não ferir a si mesma e não são "boas vítimas".

Este é pelas más feministas,
Pelas tontas,
Pelas que não denunciam
Pelas que permanecem junto a seus maltratadores.

Este é pelas que não se atrevem se a chamar de assédio, abuso
A violação.

Este es pelas que convencem a suas amigas e namoradas que podem estar gordas e serem bonitas
Porém racionam a comida se engordam um grama.
Pelas que se enchem de comida vegana nos cafés
Porém não descansam enquanto não vomitam tudo antes de chegar em casa.
Pela las que não podem deixar de comer
E não parecem ter o direito de amar enquanto não emagrecem.
Este é pelas que querem ser veganas ou vegetarianas
Porém teriam que deixar de odiar a comida para começar
Pelas que querem fazer-se veganas ou vegetarianas
Porém sentem que já é bastante cruz para seus pais ter uma filha doente.

Este é pelas que ouvem que o suicídio, a medicação e a psiquiatria é coisa de fracos
E não podem recordar nada que lhes exija maior força que pedir ajuda.
Pelas que não vão às manifestações, palestras e encontros porque tem terapia
E terapia não é um capricho, é suor
Terapia é sobrevivência.

Este é pelas que  não são capazes de armar um barricada que pare o dilúvio universal que choram todo dia.
Pelas que choram em público
Pelas que solução nas reuniões
Pelas que berram nas concentrações.

Este é pelas que sabe todo o abecedário do consentimento
Porém nunca são capazes de articular um "não".
Pelas que ficam paralisadas de medo diante de uma agressão e não podem nunca ajudar a vítima
Sobretudo quando as vítimas são elas mesmas
Pelas que não podem sonhar em fazer sua a noite
Porque não é seu nem o seu corpo.

Este é pelas que não sabem distinguir entre medo inculcado e seus transtornos paranoides.

Este é pelas que não sabem distinguir entre suas paranoias e as micro-agressões

Este é pelas que querem sonhar com o futuro distinto porém estão demasiado ocupadas tendo
alucinações.

Este é pelas que ouvem que a monogamia vai acabar e tem impulsos suicidas apenas por suas amigas falem com outras meninas.
Este é pelas que vem listado seus sintomas em todas as listas de maus tratos
Pelas que temem ser inerentemente tóxicas.

Este é pelas que querem reverter o sistema e tem medo de ruídos fortes.

Este é pelas que participam de reuniões executando repetições obsessivas e compulsões manuais
Por aquelas que nunca participam pelo mesmo motivos.

Este é pelas  esquizofrênicas que vem sua enfermidade convertida em uma estética "antissistema"

Este é pelas loucas controladas que ouvem falar desse "louco" controlador
Pelas psicopatas maltratadas cuja enfermidade é tratada como um insulto chamado "abusador".

Pelas sobreviventes que buscam espaços arco-íris e só encontram festas e
conversas sobre  sexo.
Pelas sobreviventes que em nada acreditam porque
sua parceira do mesmo sexo as agrediu
Pelas sobreviventes que tem que se ver cara a cara com seus agressores e maltratadores em espaços
"liberados".

Este é pelas que sofrem abusos, inclusive sexuais,  nas mãos de irmão, amigos, parceiros e psiquiatras e que amplificam  a tragédia de que, por ser louca, ninguém acredita.

Este é pelas que que querem que o poder seja para o povo
Porém não são capazes de estar rodeado por este povo.

Este é pelas que sofrem maus tratos.
Porém ninguém chama por esse nome porque é "só" psicológico
Mesmo quando estes são os golpes que deixam as piores cicatrizes.

Este é pelas que não são maltratadas por seus parceiros e família
Porém ninguém parece entender que um amigo também pode se muito mais que tóxico.

Este é pelas que querem mudar a realidade
Porém não distinguem bem onde ela acaba
E onde começa a enfermidade.

Este é pelas que querem despertar aos alienados
E às vezes se perguntam se não será porque elas nunca conseguem dormir.

Este é pelas que não permitem que as defina seu reflexo em nenhum espelho
Porém há muito não são capazes de se mirar neles.

Este é pelas que não se reconhecem nos espelhos.

Este é pelas que roem as unhas, que arrancam a pele, o cabelo
Pelas que levam as marcas da doença mental gravadas fisicamente no corpo.
Este é pelas que se ferem sem necessidade do fio de uma navalha
Pelas que usam fogo, a boca, os punhos
Pelas que não necessitam mergulhar na física para fazer-se sangrar.

Este é pelas autistas que não encontram nem um só manual de relações saudáveis, de sexo com
consentimento
Que inclua suas formas de comunicação.

Este é pelas que cheiram mal, pelas de cabelo oleoso, pelas de mal hálito por causa dos dentes sem escovar durante dias
Pelas que não podem nem se banhar.

Este é pelas que sabem que tem esterilizado a força das mulheres por ser como elas
E, no entanto a sua luta como doentes mentais é considerada de "segunda".

Este é pelas que lutam através da Internet
Porque não o podem fazer na rua.

Este é pela que nunca poderiam sair à rua.

Este é por nós todas, porque somos tudo: não só válidas como valiosas, tão
importantes,  vitais e cruciais como a mais cordata e a mais saudável.
Porque esta também é nossa luta, e duplamente, porque além de sermos mulheres e estarmos doentes
e isso já é o suficiente para mandar-nos calar tanto dentro quanto fora.

Porém viemos carregadas de palavras, e às loucas faz muito bem gritar.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

rol de lavadeira

"mandei caiá meu sobrado
mandei, mandei, mandei
mandei caiá de amarelo
caiei,caiei,caiei "

um pássaro invisível
pousado no ombro
assopra tristes canções à lavadeira
ela canta e reconta o rol 
que lhe valerá a janta

pedras esbranquiçadas
das pancadas dos panos
alvos como um menino e um cachorro 
quarando a fome à margem do rio





'Rol de lavadeira'
tabela de madeira recortada e entalhada, proveniente de um convento de Lisboa, século XVIII

algumas circunstância cheiram a agora

o sol
o pó
o caos
um cosmo

a luz de setembro dando a volta pelos poros da casa esta manhã

você vai procurar horas por pontos de fuga

uma dor lancinante no ombro
palavras negociando uma falta
"desejo não é falta" ele disse
potente, músculos fortes
pernas grandes
pés enormes
e nenhuma estrada

O quê espero do amor 
ainda não tem nome
coração esta carne 
imaginária que em nós
poetas, insiste em funcionar 
como interruptor

sábado, 3 de setembro de 2016

desertora

oh, hatherly
a despeito do meu nome, norma
sou títere falante
estou contigo
the language of being is wordless

o vento arranca-me as roupas
mas não espalha as sombras
deixadas pelas balas que arrancam olhos
fábrica de guerra 
simulacro de paz

veja como choro, ana
queria dormir mas não posso
o amor
e a vida
pulsa intenso entre minhas costelas

de onde você está, ana
já pode ver
se sou eu que vou ficar
para enterrar os corpos?
sou alérgica a pólvora na pele dos mortos

se fosse rápido
eu queria ir primeiro

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Eu poderia dizer que eles cultivam a pior facetas dos animais, ser predadores polífagos.Mas animais não caçam sem fome.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

terrível simetria

Atendendo a 152°chamada do Desafio Poético com Imagens da TaniaContreiras Arteterapeuta segue poema.


flores tem poucos predadores
mas isso não me impede de perguntar
o que inventou o cervo
é o mesmo criou o tigre?

Imagem: Even Liu

Balbucio

Para Flávio Paulinelli
 
 
Ele pouco diz
Só escuta
Para além
De um bater de mãos
Ou balbucio solitários
Nunca opina
Ou reclama

Mas ontem
Quando falava
Da minha incompetência
Para a vida em sociedade
E para o sucesso
Ele fez a primeira confidencia
"Eu também corro
Para chegar em casa"

domingo, 28 de agosto de 2016

geração perdida


em zaatari brincam com seus fuzis de plástico
em yarmouk comem a grama pisoteada
houvessem anjos lá
seriam inanes

sábado, 27 de agosto de 2016

meu amor me reivindica

meu amor me reivindica com seu corpo mesmo
geme e soluça enquanto dorme
miro seu dorso vulnerável 
nesta hora sou sua mãe

às vezes esgarço as palavras até a exaustão
afim de obter pequenas doses de paixão
daquelas doídas 
que esperam bilhetes 
na gaveta de calcinhas
e telefonemas eróticos no meio do dia

mas logo me recolho às minhas varandas
porque meu amor me reivindica

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Literatura no Boteco

O terceiro episódio do Literatura no Boteco é comigo, lá no Malleta meu lugar de amor em BH. Falo sobre o “Borda”, sobre a influência do mundo na obra do artista. Declamo alguns dos poemas do "Borda". Não perca.

fusão

me olhe
fora do meu
cenário íntimo
e veja minhas mãos
nas omoplatas
simulando o abraço
o beijo que me roubarás
no dia em que eu for para ti
completamente irresistível


o que não pode ver
te faria estremecer
sou capaz de imaginar
intercursos violentos
beijos enfurecidos
tudo tão quente, tão quente
quanto essas tardes atípicas
do outono de agosto

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

ícone desidratado

a noite não dá trégua aos insones
(subir as escadas deveria
ser o melhor do amor
não fosse a pressa)

permanecer ancora viva
a chorar amores que não terei
ignorar as tentações sem volta





pés cansados de equilibrar os saltos
sobre montanhas de perguntas
01100001 01101101 01101111 01110010 
é o código binário para a palavra amor

sábado, 20 de agosto de 2016

Melina Alexia Varnavoglou [tradução norma de souza lopes]

às vezes quisera ser um homem 
para poder dizer-lhes
sem temer que me confundam
que eles são em verdade maravilhososos
que adoro suas imposturas
e o espaço exato entre a munheca e os cotovelos
seus cabelos despenteados e as mãos sempre algo misteriosas
e essas caras que às vezes fazem uma mulher rir
que todo esse rodeio é desnecessário
é até pateticamente bonito
que imagino raios tensionando-lhes as costas
por esse nervosismo
que quando estão relaxados ninguém crê
que são realmente grandes, quando abraçam seus amigos
e falam dela ou de suas bebedeiras depois da festa
que em seu peito liso eu poderia pousar sem pausa
minha cabeça por toda a noite
até dar em alguma coisa
quando calculam, sonham, quando ejaculam, quando duvidam
quando não podem

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

retorno

a primavera está lá fora
juntando as folhas
enlouquecida
quer pintar
um milagre na parede da sala

e eu agora entendo
a primavera retorna
mesmo depois que eu partir

caiu uma gota de vida
na barra do vestido do poema

domingo, 14 de agosto de 2016

Das frestas e da intensidade de sua luz

Amor de pai é uma lacuna de jogo de montar onde não cabe enxerto, exige peça exata. Mas a gente resiste e enfeita as bordas. Tá cheio de gente assim por aí, umas frestas decoradas de dar gosto, de onde saí luz intensa o suficiente para dissipar nossas sombras.

Para João Paulo de Lorena
Primeiro eu queria ser invisível, agora tou tentando ser transparente. Qualquer dia sumo de vez

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

amenidades

diminui o açúcar, o café o alcool
três tipos de chá todo dia
(sem o sachê, para evitar o resíduo) 

exames de sangue mensais
caminhada toda tarde
sono de oito horas
afinal já és uma senhora

então na tv um idiota anunciasua guerra arbitrária
brotando sorrateira no planalto

"você perdeu"
"e se botar de novo
a gente tira"

ficamos um tempo sem dizer nada
voltamos às piadas
mudamos de assunto
conversando amenidades


Olhava as crianças brincando e pensava que nunca mais ia conseguir. Eu parecia ter perdido aquilo em algum canto escuro da infância. Perdi não.
Consegue ver meu coração pulando corda agora?
Escarnecer é diferente de brincar. E a culpa é o meu  termômetro. 

terça-feira, 9 de agosto de 2016

antiquíssimo

desde aquela hora
seu rosto suave não se dissolve
continuo olhando e esperando que digas 
as palavras que não pude dizer
desejos enrolam-se 
à volta de minhas pernas
ressuscitados do passado

na carteira
imagens amarrotadas em sépia
dispensam o olhar 
amores seguros
graves e gastos convocam
e o no meu peito febril explode entumecido
a mais estranha forma de amor
pelo que podia ter sido

sábado, 6 de agosto de 2016

O preconceito em mim é aquele lobo, arreganhando dentes pro diferente, protegendo território. Por isso eu converso com ele todo dia :"escuta meu caro, cabe todo mundo, tenha medo não". Isso de achar que não ser preconceituoso é dom não me convence. Dá trabalho recolher as unhas . É preciso convocar o amor dioturnamente para ele vir cerrar minha boca, esconder meus dentes.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

E nesses dias em que amanheço amando tanto a vida e as pessoas que chega a doer, morre um musico poeta que eu amo. Acho que não vou conseguir parar de chorar.

domingo, 31 de julho de 2016

frenesi

se hormônio
ou paixão
sei não

sei que sonhei a noite inteira
eu de lingerie vermelha
presa em sua teia
entregue a devassidão

na vigília do dia
nenhuma biologia
serenou o latejar 
das entranhas

que sanha!


sábado, 30 de julho de 2016

segunda-feira, 25 de julho de 2016

se duvidar

se você duvidar de meu lirismo prosaico 
levo a palavra em praça pública amarrada pelo maxilar
rebento versos em louvor a desordem e se duvidar
escrevo estrofes que não valham nem para cadarços e se duvidar 
desmascaro a falta de sentido de tsunamis, guerras, desemprego 

e a distribuição injusta da riqueza e se duvidar
denuncio os gritos da barbárie escondidos sob 
as paredes cinzas da avenida paulista e se duvidar 
adio os simulacros de alegria só para assistir de camarote 
você caminhar de mãos dadas com a dúvida sem resposta 
comum a todos os improdutivos filhos do medo

terça-feira, 12 de julho de 2016

notas de ressentimento

_minha cara
quero pedir-te uma coisa
não se mate de novo
[como é o seu costume]

_ e o que faço com a cobra 
que morde minha nuca
e sussurra "és a pior de todas"?

_ o silêncio: é preciso ser forte
e cultivar o silêncio
esculpir sentimentos sem palavras

_ desde a visão daqueles homens 
sem casa na calçada 
um talho aberto no corpo da cidade
trago os olhos cristalizados pela dor

_ pois tente admirar 
os pés de pássaros no quintal
o jardim secreto escondido na alma

_ lágrimas correm no meu rosto
tal qual sementes secas caindo
não me  reconheço no espelho

_ caríssima, esqueceste de cuidar
que és sua melhor amiga
e chora diante do prato cheio
alimentando esta fome recorrente

_ amigo, posso me apoiar só por hoje
em vossa fé no mundo?
amanhã me levanto, eu juro
e faço sozinha a colheita

quinta-feira, 7 de julho de 2016

perdi a poesia

vejam só, era um poema
um velho saudoso elogia
uma colegial
sua pela clara

perfume de maçã

Ela lê um compendio de inglês
e molha o bolo no pingado
num café de periferia

ela não o nota
ele é invisível 
como são os velhos
para as escolares

tão nostálgico
e eu só consegui pensar
"velho safado!"

inspirado no poema de  António Manuel Couto Viana (1923 – 2010) in As escadas não têm degraus, nº4 (Cotovia, 1991)

Um palácio de cera- Kishwar Naheed

traduzindo do espanhol de Ximena Londoño


Antes de me casar
minha mãe costumava
ter pesadelos.
Seus gritos de terror
me estremeciam.
Eu a despertava
para perguntar-:
“O que foi?”
Com os olhos em branco,
ela me olhava fixamente.
Não podia recordar seus sonhos.

Uma noite um pesadelo a despertou,
mas ela no proferiu nenhum grito.
Eu perguntei:
“O que foi?”
Me abraçou com força, com temor silencioso.
Abriu os olhos e deu graças aos céus.
“Sonhei que afogavas”, me disse,
“E eu me joguei ao rio para te salvar.”

Essa noite, um relâmpago
matou nosso búfalo e a meu noivo.

*

Então, uma noite, minha mãe adormeceu
e eu permaneci desperta
observando como abria e cerrava os punhos.
Tentando tomar posse de algo.
sem conseguir e tentando de novo.

Eu a acordei,
porém ela se recusou a contar-me o sonho.

Desde esse dia
não pude dormir tranquila.
E me mudei para outra casa.

Agora ambas gritamos
em nossos pesadelos.

E se alguém pergunta
simplemente dizemos
que não podemos recordar nosso sonhos 

terça-feira, 5 de julho de 2016

quinta-feira, 30 de junho de 2016

insignificante

este poema tem um destinatário
no máximo dois ou três
é um poema portátil
erétil, volátil
destinado a pairar
entre os falantes da língua perdida
inaudível como voz de um velho cassete

ele não é nenhuma façanha poética
críticos poderiam dizer
que seus versos assim dispostos
serviriam a centenas de poemas
um poema não-convencional
imperdoável por sua falta de métrica e rima

exposto às intempéries
este poema poderia ceder
como uma corda estendida
não guarda mistérios dolorosos 
envolvendo o sexo dos anjos
cada verso destina-se
a ocupar as cavidade entre as vértebras

sinta-o como um último clamor
perdoe seu excesso de diligência 
à convocação para tornar-se humano
não incendeie a casa ainda
cuide dos homens da calçada fria
nunca pergunte onde deus está
não afaste seus pés da linha da fronteira
ignore o vício de achar sentido em tudo

borboleta amarela

uma borboleta amarela lança-se sobre uma pedra
borboletas amarelas vivem apenas um dia

dentro das asas amarelas da borboleta 
encontraram pedras

vinte anos é o tempo que demora
para uma borboleta amarela
virar pedra

borboletas amarelas prestam-se bem à fotografia
perto do fim

publicado em Entre Lagartos e Borboletas coletanea NSL
23/04/15

segunda-feira, 27 de junho de 2016

não é um poema de amor

quantos corpos ainda precisará
percorrer com teu braile sereno
para compreender que 
ao final estará ainda mais só
na escuridão rubra de suas
pálpebras cerradas?

teu olhar solene me ofende
e a  sombra de teu abraço 
paira sobre mim como cicatriz

tivesse você alguma reverência
eu invocava o código de hamurabi
a fim de que me restituísse 
o amor que te dedico

domingo, 26 de junho de 2016

familiar

estar em sua casa
conhecer seu gato
debruçar sobre seu plexo
ser a mulher da sua vida
e te odiar
como só os rejeitados sabem

quinta-feira, 23 de junho de 2016

nem vem com essa sombra

ah, não nem venha se esgueirando com essa sombra que agora eu já sei dançar e enrodilhar rolar e fingir de morta cão que se presa ladra mas não morde em tempos de onça morta eu einh esse é irmão desse vivinha da silva que eu vou assistir de cadeirinha a banda passar e se duvidar eu toco bumbo taco fogo toco o fodas no salão aqui não mané eu já te saquei nesse plano de abrir as vísceras do medo no balcão e sai da frente que é rabo e corre todo mundo pra todo lado e só fica você com o fruto do suor do nosso rosto do nosso corpo e nós a ver navios em doze prestações ah, não nem vem com essa sombra.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

expiação

guardo uma impressão confusa 
acerca de seus contínuos regressos
na casa em ruínas objetos esquecidos 
sobre móveis empoeirados 
esperam por você 
como se não soubessem 
que só retornarias 
para dar cabo à demolição
que iniciastes  antes de partir

me seduzistes com esse sorriso 
que usam os que estão acostumados 
a ganhar sempre
e eu, mariposa suicida
comi o pão de todas as ideias 
e bebi o sangue derramado por elas
até compreender que és
um mercador de mentiras
tu me dizia
"beba a dor que te sirvo
lágrimas são fáceis de engolir"
e eu te obedecia

estou pronta para sacrificar este amor
ou qualquer que seja o nome deste mal
não seguiremos juntos o curso do rio
és incapaz de me suster em seu coração

sou muito afeita aos escândalos
mas sacar como arma 
minha antigas cartas
afim de evocar o amor
é um esforço patético
nenhuma célula 
de quem escreveu 
vive em mim
veja que sou uma orquídea
nascida das feridas que você plantou

é chegado o dia de esmagar
o espelho que tenho sido
até imolar sua memória
fechar meu peito a sete selos
e vingar-te com meus dedos