Poesia 2012/2013


Mudança II



















Agora que moro nesta casa
de dois pisos e poucas janelas
e talvez por a casa ser meio torta 
ando falando em fechar portas
e prender tramelas


Depois da dor de arrancar 
de mim e das antigas paredes
tantos parafusos
prendi novamente os móveis
acabei de ler o Muro do Sartre 
e agora sinto tudo firmente preso



Posso dizer que sair do lugar
e mudar já não dói tanto
mas a mania que os lugares tem
de se esvaziarem das memórias
e das pessoas está me impressionando

N.S.L.
30/01/12

Enfim, era só fechar a porta

Essa história vira-latas
que sempre contei rabo abanando
essa novela vai acabar
o cortiço sorridente e alegre
vai virar sepulcro caiado
só morta deixo o outro entrar

As pernas abertas da vida
o livro aberto da dor
não mereceram respeito
não receberam amor

Pam! Fecho a porta da rua
Fora! Arreganho os dentes
pé na soleira, braço no batente
nínguém entra, nem parente

Sedução, invasão e outra facas
nessa carne gauche, feia e torta
não me cortam, achei a resposta
enfim, era só fechar a porta


N.S.L.
30/01/12

Universal

Para agradar, me disseram 
há que ser universal
menos mulher
menos eu

Sou como todas
mulher filha  mãe trabalhadora
e disso escrevo
ainda me querem mais universal?

Norma de Souza Lopes


Sem palavras

Chega de procurar
palavras para a realidade
não se aprisiona o real num vocábulo


Acho verdade é nos cheiros do meu homem
no sabor de sua comida
e em suas carnes e toques


N.S.L.
28/01/12

Como a Adélia 
acho que Deus me tirou a poesia
vejo o feio na linha
falta figura na palavra
mas insisto
que escrever também é minha sina

N.S.L.

Como falo

Se como não falo
se falo não como
como falo 
sem falo
falo sem coma
ordenada coma
saída do coma
ordem nada
desordenada

29/02/12

Desarmada



















Se destaco de minha boca
meus dentes, há tanto bambos
e os ponho às palmas de meus adversários
feroz não luto 
pelos espólios
de míseros latifúndios

Se às vezes abro a porta
displicente e tola, e acomodo
na cama, confortáveis, os meus contrários
já não temo
sei que sendo sólida
nada será usurpado

Na boca, a lacuna vazada
não mais me envergonha 
portas abertas
vampira às avessas
sem dentes
mamo melhor as tetas da verdade

N.S.L.

Cena de jardim


Um gatinho
com sua boca
mordisca uma florinha
emília serralhinha

Tão cândida a cena
que virou poema

N.S.L.

26/02/12

Calar-se



















Nunca mais planto hortas
ando subindo paredes
menos que muro
mais que porta
janelas
só às vezes
pra ver de dentro
o verde

O amor expande o tórax
jeito de arrumar o ar no peito
cerca as galinhas no terreiro
e enche a casa de presença
e cheiros

Tomei gosto pelo silêncio
converso só com poesia

N.S.L.
25/02/12

Marés















Lá, ondas
aqui, sombras
Marés


Fico
e me engole a penumbra
vou
e me esmagam as vagas

No escuro
abrirei as janelas
lançarei o barco

Olhos no farol
a consciência acesa

Silêncio!!!!
mulher navegando
entre ondas
e sombras


N.S.L.
25/02/12


Poeminha para Paulo Lobo




















Quando os Djs envelhecerem
e os skaitistas forem anciãos
quem serão
nossos icones da juventude?
N.S.L



Descoisificando-me


O poder não é para ser conquistado, ele deve ser destruído.
Jen-François Brient
 
Minha vingança

subverter a ordem das coisas
das coisas ordenadas
que eu consumo
quero ser feliz sem coisas
ser feliz sem ser coisa
N.S.L
22/02/12

Uma pequena neurose na quarta-feira de cinzas














Concisão
com cisão
pouca palavra
muito pensamento
nunca sair
de dentro
metade amor
metade medo
em segredo
coser
ser duas
todas
nenhuma

N.S.L
20/02/12


Bala Perdida

Quando ouço tiros
reconto meus filhos
confiro a família

Nada me tira 
do pensamento
que a bala perdida
me desintera
dos meus.

N.S.L
20/02/12

Leve mão leve















Por cinco reais
arrastados com dedos agéis
de dentro de uma pasta preta
e o policial federal
não atrasou a volta
de meu ônibus para casa
e para a minha vida
de mudança

Não queria ter mudado
queria mudado
o policial
daquela estrada


N.S.L
20/02/12

Ancorada















Sem lugar 
no mundo
no corpo
na vida
vaguei 
até achar
a estaca que me fincava
a palavra

N.S.L
16/02/13

Miragem

Essa sombra no meu rosto
semblante sisudo da tristeza
é farsa

O que me segue
o passo no meu encalço
que amarra minha cara
é raiva

Do sono perdido
e da falta de sentido
da vida

N.S.L
15/02

No mínimo















Sucinta
sinto
não escrevo
pingo

N.S.L
11/02/12


Epitáfio ao mensageiro das manhãs















A poesia que havia
no canto de dois galos
deixados ao meu encargo
cessou-se

Tratei de alimentar e 
saciá-los
mais um galo morreu
e não há poesia que conforte

Depois do galo morto
Não me dei pelo fato
e o odor da morte 
espalhou-se pela casa
grudou em minhas narinas

o enterro sai hoje
o endereço do velório
certamente é um aterro

Não me visitem 
pois estou de luto
e casa fede muito

(minhas manhãs morreram um pouco
no canto daquele galo)


Falta de pai



















Na barriga de minha mãe
meu pai plantou um poema
depois que o poema nasceu
não ficou para regá-lo

Cresci daninha
sem poda nem cortes
até ter raízes fortes
e casca bem dura

Agora que já sou poesia madura
veio me adubar com palavras

Você demorou, pai
não basta a semeadura
fez falta um regalo
um corte no talo
foi quando eu era verde

N.S.L
20/02/12


Convite














Já chamei para entrar 
umas imagens da rua, do mundo, do tempo
mas não adianta
o fora não quer entrar no meu poema
diz que está cheio aqui dentro

Norma de Souza Lopes

Cura















Se me lê
vê como tenho me curado
bastou uns chás
e um tratado de poesia



N.S.L
09/02/12


Insônia
















No meio da noite
o desprezo acordou-me
náusea da condescendência sutil
dos que afirmam
aprovar-me

Sua bondade
em gostar-me apesar
de todo meu orgulho
não me expande

O orgulho
espinho na carne
requer dentes à mostra
requer rejeição
visto que sustenta
o eu ilusão
plantado em mim
por meus pais
e pelo ego
deve ser arrancado
sem complacência



(Mentira
O que me acordou foi a poesia)

Norma de Souza Lopes

Sombrio













Sem luz
minha sombra move-me
emoção projetada
criada no branco da página

E a mancha 
teste na prancha
malha na carne
mácula na vida
não passa
de bela figura no muro

Meu obscuro não me assusta
verdadeiro susto 
é a norma cravada na alma

N.S.L
05/02/12


Canção para trazer de volta o amado


















Mais que ontem
eu sou do meu amado
atrasado
mas em tempo
o amor pousou 
passarinho em meu ombro
eu voo com ele
quando não estou com saudades


N.S.L
05/02/12


Lugares















ocupados
desocupados
reocupados
preocupados
lugares sou eu me esvaziando
plantando espaço dentro de mim
para novos lares
novos i-móveis


N.S.L
05/02/12

Tarde















Na cadeira
me sento ao contrário
desobedeço a coluna
que condenou ao  esquecimento
quem desatou minha poesia

Se minha sombra me comanda
trabalho
e a poesia me abandona

Perdi o amor na esquina da realidade

agora sou tarde
já não tenho idade 
pra desperdiçar vontades

N.S.L
05/02/12


Entre o rio e o mar




De tudo que vi na Bahia

mais me agradou
a preta lama do manguezal

O cinza meio ambiente 

de Belo Horizonte
nem de longe
tanto me comove 

A miríade de seres

entre o rio, o mar e o verde
recordaram-me as águas amorosas 
do pantanal de Manoel de Barros

Eu, que gosto de alaranjado
vidrei no brilho dos caranguejos
e de longe vi os turistas 
dignamente
banhando-se no cheiro de enxofre

No fundo todo aquele barro

berçário de tantas vidas
lembrou minha essência
minhas raízes enterradas na lama
repletas de sedimentos
sempre entre o rio e o mar


N.S.L
05/02/12

Mensageiros da manhã















Cedo me seduz o sono
cedo a manhã me acorda
mas não vem sozinha
manda para o meu terreiro
dois galos aprendizes
que a duas semanas ensaiam
e finalmente, em uníssono
cantam o aviso matutino
_ Levante-se que as férias acabaram
é hora de trabalhar.


N.S.L
30/03/12


Revide

Me humilha
com seu falo à mostra
de raiva
desfiro a mordida
o poder
ereto e férreo
não reaje a rotura
nem emite resposta
quem de longe olha
pensa que felo
e nisso
repete a injúria
Sem problema
noutra cena
liberto a fúria
e lhe corto a aorta


N.S.L
29/03/12





















Tenho fome de rimas
e poesia já escrita
não sacia



N.S.L
27/03/12


Ludos


















Te amo
e me distraio
da dor do vazio
inútil
 qualquer artifício


Finjo ter
ontem
hoje
amanhã

Traio a sina
de sozinha
ser desamparo




N.S.L
26/03/12


Risco obsceno

O rasto
marcado de piche
no tapume
deprime

Violento
o traço no muro
fere a fachada

De dentro
tento
desprezar a ofensa
e ignorar o risco
obceno
na aparência da casa


N.S.L
23/03/12


Da janela do ônibus















Um minuto sem respirar
é que o branco e prata brilhante
da nuvem pregada no azul do céu
paralisou meu plexo

Evitava espalhá-la com meu fôlego.


N.S.L
7/03/12

Louco interlúdio














Ensimesmadas
jorro de palavras
corte de punhal
sem fendas 


Me toco
que daqui pra lá
nem uma língua
cruza
M'engano que te toco
nem um mero sulco
superfície lisa
monólogo surdo

Sem gretas
travessia cega
gozo silencioso
louco interlúdio


N.S.L
7/03/12


Nem tanto amor


















Pareço fascinada
que nada
vidro
no brilho reflexo em teu olho
na tua risada
eu de novo
amo-me mais em você


N.S.L
01/03/12

Poema boticão














A raiva
me arranha a carne
e sorri
de fronte
quase de longe
vejo

Presa à cena
ri a raiva
fúria disfarçada 
desvario

Cativa da teia
da aranha ira
escrevo
a força
arranco
o rancor


N.S.L
7/03/12

Desfoco















Enquanto espero
verdadeiro amor 
que me cubra o oco
mãos me despem
aquecem a crosta
despedem o sonho

N.S.L
29/04/13


Sem Ilusões

a vida que desejo
acontece longe de mim
e essa mentira que conto 
todos os dias
é a piada que tenho sido
para fazer 
o outro chorar


N.S.L
29/04/13


Miragem


















palavra trabalho te amo
abraço carreira familia próspero
amigo bom dia  sucesso
sorriso lar controle alegria
encontro harmonia mentira

ufa!

ainda bem que a poesia
fixa tudo que está no ar



N.S.L
29/04/13


Involuntário















me abro pétala
e colho
o prazer do abraço
plácida alegria

calor no plexo
desejo
reflexo
de amor

vem a palavra 
golpe
e me fecho 
galho de sismonastia



N.S.L
29/04/13


Papagaios

no ombro
do pirata
se falo
se trata
da fala
do outro


N.S.L
29/04/13

Fotografia











fotografia
é poesia
escrita com os olhos.

10/04/12